A concorrência nos serviços de Praticagem
Dr. Jale Nur Ece é colunista do site www.seanews.com.tr. Tradução do texto original em inglês pela Praticagem São Paulo
A praticagem, profissão de desafios, é executada a bordo de navios em passagens, estreitos, canais, baías, portos e outras áreas confinadas de águas restritas. É uma profissão que requer experiência e conhecimento especializados. Manobrar um navio não é tarefa fácil. Diferentemente da maioria das profissões, a ocorrência de um acidente durante o exercício dessa atividade pode afetar a segurança de vidas, da navegação, da propriedade e do meio ambiente. Evitar acidentes no mar que podem impor riscos à vida, à carga e ao meio ambiente, garantir um fluxo seguro, rápido e regulamentado do tráfego marítimo e contribuir para a economia local com as receitas das taxas cobradas pelos serviços de praticagem foram os fatores principais que contribuíram para o surgimento e o crescimento da profissão de prático. (Erol, A. “Pilots and Pilotage” denizhaber.com, 1988).
De acordo com as estatísticas, o erro humano responde por 80-85% de todos os acidentes marítimos, e o fator mais eficiente para eliminar ou minimizar esse tipo de erro é o emprego de práticos bem preparados, autônomos, especializados e experientes. Consequentemente, as nações modernas do mundo atribuem grande importância a esse tipo de serviço, e adotam as medidas necessárias respeito dessa atividade. (Erol, A. “pilotage services in the world and Turkey”,http://www.denizhaber.com, 1997).
Os serviços de praticagem e de rebocadores visam garantir a segurança da navegação, da vida, da propriedade e do meio ambiente, e nesse contexto, são prestados aos navios nas manobras de atracação e desatracação, na entrada e saída dos portos e das áreas de fundeio, e também nas operações de troca de berços de atracação, nas quais devem atuar rebocadores com tração estática adequada, em conformidade com os regulamentos do porto.
Os serviços de praticagem são predominantemente obrigatórios; porém, em alguns casos, em algumas regiões ou para alguns tipos de navios, eles podem ser opcionais. Cada país tem sua própria legislação e regulamentos sobre esses serviços para assegurar a segurança das manobras e a salvaguarda da vida, da propriedade e do meio ambiente.
Na Turquia, todas as políticas e procedimentos em relação à praticagem e aos serviços de rebocadores são especificados no Decreto-Lei Nº 655, que trata da Organização e Deveres do Ministério dos Transportes, Assuntos Marítimos e Comunicações. Eles consistem na “prestação ou autorização e supervisão dos prestadores desses serviços, e no estabelecimento de regras e regulamentos para essas atividades”. (Ministério dos Transportes, Assuntos Marítimos e Comunicações, Departamento de Navegação e Segurança Marítima).
Ainda na Turquia, o Regulamento sobre Qualificação, Treinamento, Certificação e Procedimentos Operacionais para Práticos Marítimos foi publicado no Diário Oficial nº 26360 de 28 de novembro de 2006 e entrou em vigor nessa mesma data. O Regulamento foi elaborado com o intuito de estabelecer as condições para qualificação, treinamento, certificação, procedimentos operacionais e princípios para práticos marítimos que prestarão assistência aos navios na navegação, fundeio, na entrada e saída de uma área de fundeio, na amarração ou desamarração de um sistema de boias e na atracação ou desatracação de instalações em terra ou em mar aberto nas zonas de praticagem, conforme estipulado pela administração, a fim de garantir a segurança da navegação, das manobras dos navios, da vida humana, da propriedade e do meio ambiente. (Artigo 1)
Conforme destacado no Regulamento, constituem prioridades a segurança da navegação, das manobras, da vida e do meio ambiente.
Organizações como a IMPA (International Maritime Pilots Association – Associação Internacional dos Práticos Marítimos) e a EMPA (European Maritime Pilots’ Association – Associação Europeia dos Práticos Marítimos) realçaram os efeitos negativos da concorrência nos serviços de praticagem. A concorrência deu causa, em nível mundial, a diversos acidentes e consequências negativas, cujos exemplos serão apresentados abaixo.
(http://www.impahq.org/policy.cfm; 11 Transport, Maritime Affairs and Communications Council, Maritime Working Group Report, 2013 73-75 – Conselho de Transporte, Assuntos da Navegação e Comunicações, Relatório do Grupo de Trabalho Marítimo 2013 73-75).
Nos Estados Unidos, os serviços de praticagem são regulamentados pelos estados da federação. O país concedeu autoridade para o estabelecimento de regulamentos que dispõem sobre os serviços de praticagem a 20 estados no país. (Istikbal, C. “IMPA and the Fundamental Principles of Pilotage/IMPA e os Princípios Fundamentais da Praticagem, www.gemimanevrasi.com). Cada estado tem suas próprias regras e legislação, de acordo com as necessidades e condições específicas de suas águas. Nos EUA, a praticagem é obrigatória para navios engajados no comércio exterior. Cada estado estabelece um limite para a concessão de licenças de prático, com o objetivo de assegurar a eficiência do serviço e que não haja concorrência entre os profissionais.
Em decorrência de experiências anteriores, nos EUA a concorrência nos serviços de praticagem tem sido considerada prejudicial à segurança da navegação e nunca mais voltou à pauta. Existem muito poucos práticos que não são públicos. Cada estado estabelece um limite para o número de concessões de licenças de prático; o governo federal desenvolve o sistema de praticagem. Os serviços de praticagem, embora privados, estão sujeitos a uma variedade de regulamentos.
O Estado da Flórida aprovou uma lei proibindo a concorrência nos serviços de praticagem, fundamentada no fato de que existia um conflito de interesses entre as necessidades econômicas dos armadores e o interesse público na segurança das manobras dos navios. Nos Estados Unidos, a concorrência nos serviços de praticagem é vista como prejudicial à segurança da navegação.(http://www.americanpilots.org/pilotageinus.html, 22.03.2013).
No Alasca, desenvolveu-se um processo de concorrência entre práticos nos anos 80, quando o crescimento da indústria de cruzeiros marítimos e de certos setores da indústria pesqueira criaram uma maior demanda pelos serviços de praticagem. No entanto, diversos problemas relacionados à segurança e eficiência desses serviços foram vistos como resultados da concorrência. Após o encalhe do navio Nieuw Amsterdam em 1994, um relatório do Governo do Alasca declarou que “a concorrência entre as associações (de práticos) tem exercido efeito consideravelmente negativo sobre a segurança da população”. (http://www.marinepilots.ca/en/articles/competition.html).
O Reino Unido aboliu, com a Lei de Praticagem de 1987, a regulamentação estatal sobre treinamento e práticas profissionais para os práticos, e delegou as responsabilidades regulatórias às autoridades de navegação e segurança dos portos. Após o inquérito sobre o encalhe do navio Sea Empress, uma revisão da Lei, em 1998, resultou no restabelecimento do status quo anterior. (http: // www.Themaib.gov.t). A praticagem britânica é organizada de tal forma que sua administração é exercida por autoridades do porto com mentalidade comercial, que ganham pontos por fazer mais com menos recursos, um princípio incompatível com a praticagem marítima na condição de serviço público. (http: // www. Marinepilots.ca/en/articles/competition.html, 3/20/2013; Youda, B. (2015), “Ports running pilotage services” Incompatible “Portos administrando serviços de praticagem” Incompatível”, seanews.com.tr).
A Nautilus International, sindicato e organização profissional que representa comandantes de navios, oficiais de náutica, praticantes de oficial e outros profissionais do setor marítimo, submeteu evidência escrita ao parlamento britânico (Written Evidence from Nautilus Intrernational MP11, Session 2012-13 – Evidência escrita do Nautilus International MP 11, Sessão 2012-13) na qual descrevia a concorrência entre práticos como prejudicial, pois a decorrente queda nos valores dos preços cobrados causava, por sua vez, uma redução nos padrões de qualidade dos serviços prestados, o que criava uma situação de concorrência desleal. (Http://www.publications.parliament.uk/pa/cm201213/cmselect/writev/marine/ m11.htm).
A praticagem da costa australiana foi desregulamentada em 1993, e adotou o sistema de “franquias” descrito acima. Em seguida ao encalhe do navio porta-containers Bunga Teratai Satu em 2000 e questões ambientais relacionadas a danos causados à Grande Barreira de Corais, o Governo Australiano decretou uma Revisão das Medidas sobre Segurança da Navegação e Poluição que vigoram nessa área. A Revisão incluiu diversas recomendações a respeito dos serviços de praticagem como a expansão das zonas de praticagem obrigatória e mudanças no sistema de recrutamento, concessão de licenças e treinamento e práticas de qualificação para práticos da costa. É importante realçar que essas questões sobre qualidade nos serviços de praticagem vieram à tona em um sistema onde o serviço era prestado por práticos concorrentes, refletindo a experiência que o Estado do Alasca teve com a desregulamentação. A urgência e a gravidade da questão evidenciaram-se quando o navio graneleiro Doric Chariot encalhou na Grande Barreira de Corais em julho de 2002. O Governo da Austrália acatou as recomendações de revisão naquele mesmo mês (http://www.amsa.gov.a of 20.03.2013).
A Argentina introduziu a concorrência nos serviços de praticagem em 1997. Em 2000, após 18 acidentes marítimos de grandes proporções – em comparação com nenhum registro de acidente nos 20 anos anteriores à entrada em vigor do novo sistema – o Governo introduziu legislação para extingui-lo, ressaltando que “praticagem é um serviço de natureza pública, não comercial e de interesse nacional: a atividade não tem bases comerciais, sendo essencialmente uma função do governo; a concorrência levou os práticos a adotarem certas condutas que não adotariam por razões de segurança, caso trabalhassem em uma cenário onde não existisse concorrência.” (Http://www.marinepilots.ca/en/articles/competition.html, 20.03.2013).
No Canadá foram implementadas por lei, em 1972, 4 autoridades regionais de praticagem que proíbem a concorrência entre práticos. Cae às autoridades determinar a utilização de práticos de acordo com o tipo de navio e área marítima. As autoridades podem assinar contratos com grupos específicos de práticos, ou elas mesmas podem prestar os serviços através da contratação de práticos. (http://www.marinepilots.ca/en/what-is-pilotage.html, 22.03.2013).
Na Alemanha, na França, na Itália e na Holanda os serviços de praticagem vêm sendo prestados por organizações estabelecidas pelos práticos e supervisionadas pelo estado, priorizando, portanto, o atendimento ao interesse público. Em países desenvolvidos, as zonas de praticagem são delimitadas e as formas, condições e continuidade dos serviços são regulamentadas com uma certa frequência, uma vez que tais serviços “relacionam-se à segurança dos navios e do meio ambiente”, “devem ser prestados dentro de um certo padrão de qualidade, em um sistema regulamentado, rápido e contínuo,” e “sua função é entendida como de atendimento aos interesses públicos”. A administração das organizações/empresas competentes é deixada a cargo dos práticos, sendo monitorada e supervisionada pelas Administrações. (Erol, A., denizhaber.co, 1997).
Na Turquia, não existe uniformidade na estrutura organizacional dos serviços de praticagem. Existem, três estruturas organizacionais diferentes para os práticos: “organizações públicas”, “organizações dos portos privatizados” e “organizações de portos e praticagens privadas autorizadas pela Administração.”
Para o ano de 2035, as metas estabelecidas pelo Conselho de Transportes, Assuntos Marítimos e Comunicações recomendam que “a fim de promover uma elevada conscientização sobre segurança e reduzir o número de acidentes em águas restritas onde se requer a utilização de serviços de praticagem, torna-se necessário adotar uma legislação mais atualizada e estável”. Conforme comentado acima, é preciso atualizar a legislação pertinente e fazer as modificações necessárias.
- A concorrência em serviços de praticagem é negativa em termos de segurança da navegação, das manobras, da vida, da propriedade e do meio ambiente. As principais justificativas para essa afirmação seguem abaixo. (http://www.empa-pilots.org;http: //www.marinepilots.cacles/competitio’s;http://members.shaw.ACE/riverpilot35/ competition.htm).
- A concorrência é incompatível com a prestação de serviços de praticagem suficientemente abrangentes, com o sistema que rege a praticagem e com a segurança do tráfego. Mesmo o menor engano nessa atividade pode levar a consequências catastróficas para a indústria, para usuários do porto e para a região.
- Quando os serviços de praticagem são abertos à competição, o princípio de garantir a segurança (em outras palavras, de servir aos interesses públicos), que deve ser prioridade para um prático, pode estar ameaçado. É provável que um prático comprometa aspectos de segurança para acomodar interesses financeiros.
- Em um esquema de concorrência, fica difícil para cada uma das empresas investir em equipamento eficiente e seguro para a prestação dos serviços e estabelecer programas de treinamento, o que poderá aumentar ainda mais os riscos de acidentes. Se os regulamentos de praticagem que têm a segurança como prioridade forem alterados em favor da competição, esses itens poderão deixar de merecer a devida consideração.
- O Sistema de tráfego poderá ser comprometido devido à concorrência nos serviços de praticagem . A International Maritime Pilots Association (IMPA) é contrária a essa prática. Um ambiente competitivo nesse tipo de atividade resulta inevitavelmente no comprometimento da segurança marítima. (Istikbal, C.,www.gemimanevrasi.com). Esses serviços não devem comprometer a segurança da navegação mesmo em um ambiente competitivo, o que pode ser difícil de conseguir. Em um cenário competitivo, os práticos poderão ter que escolher entre os interesses financeiros de uma empresa privada e a navegação segura. Se os profissionais tiverem que competir entre eles para conseguir que sejam escalados, existe a possibilidade de um prático vir a comprometer aspectos de segurança a fim de acomodar interesses financeiros de um armador.
- Concorrência pode levar a discriminações no serviço. Dos práticos, espera-se que sejam imparciais; no entanto, em termos de eficiência econômica, prestadores concorrentes de serviços de praticagem não cooperarão no sentido de prover um serviço que atenda ao porto em sua totalidade (Istikbal, C.,www.gemimanevrasi.com). Essas possíveis situações encorajariam rebates, propinas e outras atividades ilegais à medida que tanto práticos quanto navios/agências busquem tratamento preferencial. Conforme afirma a IMPA, corrupção é um dos resultados mais significativos em um ambiente onde a praticagem é aberta à competição.
- No ambiente sem concorrência, os práticos podem adquirir experiência a bordo de diferentes navios através do sistema de escala rotativa. Em caso de concorrência, os práticos não poderiam adquirir essa experiência, visto que o sistema rotativo não operaria.
- A IMPA afirma que experiências com concorrência em diferentes lugares do mundo mostraram que, apesar da regulamentação, obteve-se como resultado horários mais prolongados e períodos de descanso mais curtos, com consequente redução no desempenho induzida pela fadiga (Istikbal, C., www.gemimanevrasi.com) .
- Poderá ocorrer desinteresse em fazer os investimentos necessários para a prestação de serviços de praticagem em ambiente competivivo. Embora a atividade de praticagem seja um serviço pessoal prestado por um indivíduo, as operações requerem investimento relativamente alto de capital. Uma operação de praticagem moderna e eficiente exige lanchas de prático e guarnições, programas de treinamento, rádios e sofisticado equipamento eletrônico de navegação. Torna-se difícil investir nesse e em outros itens se não houver garantia de disponibilidade de trabalho. A experiência com praticagem em navios de cabotagem nos Estados Unidos mostrou que concorrência em serviços de praticagem leva a operações mal equipadas, instáveis e marginais (http://members.shaw.ca/riverpilot35/competition.htm).
- Uma operação de praticagem assemelha-se a um serviço público, exceto pelo maior número de clientes. Esses clientes têm poder econômico e de barganha muito superiores aos dos práticos, e podem com muita facilidade impor suas condições ao grupo de práticos. No entanto, não deve haver negociação quanto à segurança da vida, da navegação e do meio ambiente.
Como se sabe, o setor marítimo é um setor internacional, cuja prioridade é a segurança; nele, ao contrário do que ditariam as expectativas comerciais, as práticas devem visar a natureza do mar, suas condições e as recomendações internacionalmente aceitas.
A missão principal da International Maritime Organizaion (IMO) é garantir “Navegação Segura e Eficiente em Mares Limpos”. A abertura dos serviços de praticagem à competição, conforme mencionado acima, tem sido tentada em diversos países desenvolvidos e abandonada após a ocorrência de diversos problemas, como aumentos na poluição e nos acidentes.
Como resultado, a autora é de opinião que a regulamentação dos “Serviços de Praticagem e de Rebocadores” necessita ser revisada e atualizada, que uma estrutura organizacional precisa ser formada levando em consideração os exemplos da Alemanha, da França, da Itália e da Holanda, que a administração e a operação das organizações de praticagem poderiam ser deixadas aos próprios práticos, sob supervisão e monitoramento da Administração, trazendo esses serviços para padrões internacionais, e que é necessário adotar uma legislação de praticagem que englobe as regras acima.
Além disso, devido às características estratégicas dos estreitos turcos e à importância dos serviços de praticagem no que toca à segurança da navegação e do meio ambiente, os serviços de praticagem nessas hidrovias devem ser fornecidos por um órgão público.
Com o intuito de manter a segurança da navegação no nível mais alto possível, os serviços de praticagem e de rebocadores que servem ao interesse público devem ser isentos de pressões comerciais e de concorrência. Nos processos de tomada de decisões e de preparo de regulamentos a esse respeito, devem também ser levadas em consideração várias práticas adotadas ao redor do mundo e experiências negativas como o aumento nos acidentes em áreas abertas à competição.